18 de dezembro de 2010

Vizinhos: Tão perto e tão longe...

Contato: bruno.kairalla@gmail.com
- Fotos: Deyver Dias- Acesse: www.deyverdias.com
Na próxima quinta-feira, 23 de dezembro, celebra-se o Dia do Vizinho. Devido aos dias corridos e a supervalorização do individualismo nos dias de hoje, e antes de começar este texto, cabe a pergunta:  você conhece seu vizinho? Como é a sua relação com ele? A resposta mais simples pode até ser indiferente, mas dificilmente não estará acompanhada a expressões ou adjetivos que envolvam sentimentos de amor e ódio. 

Deste último, por experiência própria, os mais comuns são: chato, barulhento, invasivo. Têm também os encrenqueiros, os problemáticos, os maníacos e, claro, os fofoqueiros. Alguns com menos, outros com mais intensidade. No caso dos edifícios essa relação fica ainda mais complicada, visto a quantidade de relações coexistentes num mesmo espaço, cenário propício a conflitos. 

No meu caso, por exemplo, que moro num dos condomínios ouvidos por esta reportagem, entendo que não deve ser fácil ser meu vizinho. Meus hábitos de vida, de trabalho, são totalmente diferentes dos padrões. Minha criatividade e até minha disposição funcionam melhor na madrugada, faço eu o quê? Não sou casado, não tenho filhos pequenos, moro só e mantenho um círculo social grande e rotativo de amigos. Cenário altamente propício a conflitos!

Confesso também que de todos os adjetivos o que menos me identifico é com o “fofoqueiro”. Não gosto de saber da vida alheia e pouco me importo com o que os outros vão achar disso ou daquilo. Meus vizinhos? Conheço apenas os que dividem o mesmo corredor. Não me pergunte nomes e nem os do próximo andar. Mas, claro, existem sempre os notáveis, pode ser da frente ou lá do outro lado, você vai saber quem é. Sãos os simpáticos, os educados, os engraçados, os interessantes, os estranhos e os curiosos.

Têm também os caricatos, aqueles que habitam em quase todos os lugares: o vizinho que está sempre a postos para servir, tipo o “Exército da Salvação”; o que bate à porta pedindo ovo, farinha, arroz, daqui a pouco te leva até um troquinho... O que reclama de tudo e o se julga acima da lei; o desligado, que sempre deixa o carro atravessado ou com os faróis ligados na vaga; a vizinha gostosa que deixa as outras mulheres enciumadas; o vizinho metido a sedutor... Uma infinidade!

No entanto, a importância e a função social dos vizinhos são maiores do que tudo isso. Não se trata só de manter “a política da boa vizinhança”, mas de preservá-la pois ela faz parte de todas as esferas e etapas da vida. O individualismo nos levou ao egoísmo de sempre servir os próprios interesses. Aquele velho conceito de se colocar no lugar do outro, dever de cada um diante a qualquer impasse, é algo que quase inexiste.

Mas como você pode ler à seguir, vizinhos podem virar grandes amigos, compadres, podem ajudar quando falta algo urgente e são vigilantes quando percebem algo de estranho conosco. Além da identificação, da cumplicidade, o notável dessas relações próximas que dão certo é que elas estão calcadas na primeira grande regra da convivência humana: o respeito – uma lição que deve ser por todos nós diariamente aprendida.

Flores

Há quase 15 anos, quando trocou a Santa Tereza pela nova residência no bairro Navegantes, Milca Gisleine Xavier, 54 anos, chorou e também viu muitos vizinhos chorarem. - Eles falaram que iam sentir minha falta, afinal foram 22 anos no mesmo bairro -, comenta ela. 

No entanto, não demorou muito para dona Milca fazer novas amizades. Para ela que atuava como confeiteira e “salgadeira” do bairro, conhecer e conquistar as pessoas no lugar em que vive faz parte de sua rotina e também de sua comunicativa personalidade. Conhecedora de várias histórias, Milca encontra nos vizinhos uma extensão do seu universo e também da própria família.

Entretanto, nem tudo são flores. Ao lado de sua residência, vive um vizinho problema, do tipo individualista, difícil de se relacionar. “Se coloco um tapete para secar no muro, ele derruba e ainda reclama. Diz que o muro é dele, que estamos invadindo”, aponta. Outro problema surgiu quando o encrenqueiro morador ao lado construiu um sobrado próximo da chaminé onde está a churrasqueira de dona Milca. 

- E tu acredita que um dia ele puxou uma mangueira e colocou água por dentro da chaminé? Molhou todo o churrasco, tivemos que parar tudo. Com ele não adianta conversar. Ele não aceita e acha que está sempre certo de tudo. Eles não são amigos de ninguém por aqui -, conta ela. Para evitar divergências em pleno domingo de reunião da família, o jeito foi comprar uma churrasqueira móvel.

Mas, se de um lado de sua casa vive a família encrenca do outro está quem já lhe salvou a vida. Marlen Lima (foto), 62, e seu marido, Nelci Rodrigues Henrique (foto), 63, moram no bairro Navegantes desde 1972, portanto, há quase 40 anos. Foi com o Del Rey de Nelci que Milca chegou a tempo no hospital. “Sempre que preciso também eles me carregam para tudo que é lado”, fala Milca. 

- Os vizinhos são muito importantes. Com eles a gente se aconselha, pede opinião, desabafa, divide os problemas dos filhos e também encontra forças para seguir adiante -, enfatiza dona Marlen. 

E no final da tarde é sagrado. Os velhos vizinhos pegam suas cadeirinhas de praia e se posicionam na frente de casa para conversar sobre a vida, fofocar e tomar um bom chimarrão. Quem fofoca mais no grupo? “Os homens”, antecipa-se dona Marlen. - Principalmente o meu marido que já foi dono de uma fruteira. Sabe da vida de todo mundo -, brinca ela. 

- As pessoas é que chegam e me contam as coisas, mas hoje já perdi os meus contatos”, defende-se Nelci. “Mesmo sem fruteira ele sabe de tudo -, rebate aos risos dona Marlen. - Essa convivência é saudável e faz muito bem para todos -, finaliza dona Milca.

Regines


Dividido pelo lado A e o lado B, o condomínio Regines é um dos edifícios mais populares do centro da cidade. No total são 128 apartamentos, ou, 16 apartamentos em cada um dos oito blocos. Os moradores predominantes são os estudantes, boa parte do curso de Medicina da Furg, conforme o vigilante Jorge José Monteiro Lopes (abaixo), 56 anos. 

Então, já viu a confusão! “Que nada! Aqui é tranqüilo, pelo menos durante o dia”, frisa seu Jorge, há cinco anos trabalhando no condomínio. O também vigilante da noite, Diego Debiasi Pinho, 23 anos, concorda e diz que os principais transtornos da convivência ocorrem em seu período.

Enquanto Jorge enumera que durante o dia os problemas são relacionados ao estacionamento e a motoboys que nem sempre respeitam a instrução da portaria, Diego enfatiza que na noite o que perturba os moradores são os constantes e variados barulhos. - Som, conversas, risadas altas, discussões, brigas, alarmes e até mesmo os gemidos das relações sexuais -, aponta Diego (abaixo). “Aqui sabemos de tudo e ao mesmo tempo não sabemos de nada”, complementa Jorge José.

Com blocos dispostos de frente um para o outro, com um intervalo muito curto entre eles, não é difícil escutar e se incomodar com os barulhos alheios. Ou acostuma-se com essa intromissão desconfortável para quem deseja paz e sossego ou viva queixando-se. “Acho que morar aqui é um privilégio”, assegura seu Luiz Gustavo Gonçalves (foto acima), 45 anos, morador do Regines há 11 anos. 

Interessante é observar que no condomínio as constantes queixas também dão lugar a boas e velhas amizades, como as pessoas que se visitam, aquelas que vão de um bloco ao outro, que se encontram para conversar, botar o papo em dia e tomar um chimarrão na portaria. Cadeiras de praia posicionadas entre os blocos, na portaria. - Aqui a gente conversa de tudo, futebol, mulher, filme... -, enumera Diego.

Um dos primeiros moradores do Regines, o jornalista José Rodrigues (acima), 60, sabe quem mora e quem já foi embora. Também já atuou como subsíndico do condomínio, por isso, afirma saber bem sobre as regras de convívio. 

“O vizinho de casa é diferente de um vizinho de apartamento, pois neste último tens que aprender a conviver com horários e centenas de hábitos diferentes dos teus; cada família tem uma maneira de pensar e agir que não é a mesma tua. Querendo ou não, todos estão juntos, vivendo em comunidade, mesmo que isolados pelas paredes”, aponta Rodrigues. 

“Isso aqui é como se fosse uma mini-cidade e o síndico é o prefeito”, compara. Da época de subsíndico ele não gosta muito de lembrar. “É muito incômodo. Se todos seguissem o que está no regulamento não existiriam tantas divergências, mas ninguém gosta. Se existisse um rodízio entre condôminos para atuarem como síndicos, as pessoas dariam mais valor ao que é feito para se manter a ordem”, sugere.

Sobre essa relação próxima e ao mesmo tempo distante, Rodrigues diz que dela já nasceram grandes amizades. “Vizinho que vira compadre”, brinca ele, padrinho do filho de um vizinho. Vizinhos também na emergência. Rodrigues salienta que já chamou inúmeras vezes o carro dos bombeiros ou mesmo a ambulância. Relata que houve uma situação que foi preciso socorrer um vizinho desmaiado dentro do apartamento ou mesmo crianças deixadas sozinhas, encerradas dentro de casa. Ainda sobre essas relações ele analisa: 

- Tem gente que mora aqui há dez anos, por exemplo, e não conhece seus vizinhos e nem os porteiros que trabalham aqui, muitas vezes pela incompatibilidade de horários. Aos domingos o salão de festas fica a disposição de todos, mas são poucos que ali se reúnem. Nas assembléias são poucos os que comparecem, mas se for aprovado algo que alguém seja contra, começam as discussões -  discorre.

Topázio
Alzira Kvitko Miola, 50 anos, é professora de educação física e atua como diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Revocata Heloisa de Mello. Há sete anos, ela mudou-se para o Topázio, um edifício de dez andares, quatro apartamentos por andar, localizado ao centro da cidade, próximo ao condomínio Regines. Casada há 27 anos e mãe de duas meninas, Alzira se tornou há cinco anos síndica do Topázio. Uma missão nada fácil para quem já administra uma escola com cerca de 400 alunos.

Comparando as atividades que exerce, Alzira num primeiro momento não percebe que as duas funções possuem uma certa relação. Após explanar o que pensa, constata que nos dois ofícios ela acaba lidando com a falta de limites e de respeito das pessoas. Mas também pondera que os problemas escolares são maiores. - Nos dois casos, os problemas ocorrem quando falta o  respeito pelo espaço e a individualidade do próximo -, argumenta. 

A única diferença entre ser diretora e síndica é que nesta última a professora acaba desempenhando o papel nos sete dias da semana e a qualquer hora do dia, em alguns casos até no meio ou durante a madrugada. Entretanto, síndica ou diretora, ela sabe que tem o compromisso de lidar como um bombeiro: sempre apagando, contornando, as chamas.

- Todos estão mais estressados e isso faz com que num momento difícil eles não só desabafem como também extravasem suas emoções -, salienta. Além das relações pessoais, Alzira lembra que também tem toda a preocupação com a manutenção e os gastos do edifício que soma 40 apartamentos. Administrando tantos pepinos, a professora – que não se queixa - sempre que pode recorre as suas terapias particulares para desopilar. “Faço ginástica, jogo, fico com a família”, cita ela. 

AH! E uma regra básica para não esquentar muito a cabeça é lembrar sempre: - Nunca vamos conseguir agradar a todos. A gente faz o que pode para que todos tenham uma boa convivência -, reforça Alzira.

6 comentários:

  1. Interessante a matéria. Se houvesse mais respeito e cuidado com o próximo provavelmente não haveriam conflitos. João Couto de Mello

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  2. Vizinhos gostam é de controlar a vida das pessoas

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  3. Mas quem não tem vizinho se sente sozinho...

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  4. Nasci e fui criada com a ideia de que nossos vizinhos são a nossa segunda família. Os vizinhos dos meus pais eram de casa. Mas para que todos convivessem sem maiores atritos era necessário que todos se respeitassem porem o respeito é cada vez menor em nossa atual sociedade. parabéns a reportagem que conseguiu muito bem retratar isso no texto e também através das entrevistas. Lidiane Hych - SP

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  5. Uma das melhores reportagens que já li sobre o tema. Parabéns a equipe e a todos entrevistados desta reportagem. O respeito é fundamental nas relações humanas. Sem ele não há como manter uma simples conversa. Cláudio Antônio, Teresópolis RJ

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  6. Certamente, "vizinho" é um tema bem interessante e particularmente acho um termo muito simpático.
    Desejo a todos um feliz dia do vizinho!

    Nara-Rio Grande-RS

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